quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Casa Vazia

Ruídos da casa vazia.
Tábuas estalam lânguidas.
O relógio é um marcapasso.
A torneira pinga gotas imemoriais.

E mesmo o caseiro velho
Com sua falta é tão confundido
Que distraído falo com ele
Embora um caseiro já ido.

Ó minha casa calada!
Não temes o aluguel
Nem o edifício que construirão em teu lugar.
Habitas-me, por inteiro:
Incêndio de sonhos conclusos.

Morar

Você nunca se esquecerá
Que morou numa casinha assim.
Fachada contente: só porta e janela.

Manhãs todas iguais.
Tardes todas iguais.
Noites todas iguais.

Aconchego de morar simplesinho.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Ária para Mariana

Mariana
Te faço uns presentes de pobre:
O olhar dos meninos magrinhos do alto da Serra de Botucatu
O aroma mais ameno das madrugadas de São Carlos
Este poema
Algum orvalho, deixado em minh’alma.

Testamento

É o desenho não iluminado
No exigente corte do detalhe.
É o ser-não-ser mal conformado
É o esboço de projeto inacabado.

Até que chegaste, meu filho
Traçando, a nanquim, meu complemento
Em escala natural – de poesia_
Cravando, no papel, meu testamento.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Filho

I/Invocação do vovô

É a presença do pai
Na tua presença escondida.

É o projetado amor
(no pai vivido em silêncio)

novamente inaugurado
embora calado, ainda.

É a vida teimosa
reinventando seu fio.

É o início do perene
saltando de um perene antigo.


II / Oferta

És uma nova edição
de meus poemas arquivados
que só tua poesia explica
e sublinha alguma valia.

És um poema novo
em mim-meu-caderno-velho.
És meu caderno novo
que, no ventre, se inicia!

És todo um imprevisto
Com que jamais eu sonharia.
És meu poema possível
Que oferto a todos os homens.


III / Embrião

Eu falando tanto do perene
e surges – embrião entre quimeras –
tecendo o arco íris tão sonhado
sobre o abismo de duas eras.

O casarão da família
rende viril continência
à tua presença futura
marcada, antes do tempo, no meu tempo!

IV / Presságio

Um filho não chega nunca
de vez.
Um filho chega sempre
Na medida em que sentimos
A incontinência do sangue...

De ruídos celestiais
a casa fica cheia.
Sentir-te, filho, com a alma de Botucatu
e querer que da terra te lances pro ar!...
Desejo de ver-te
cobrir-te de passarinhos
ensinar-te o vôo arranhando céus
- que apenas pressinto –
O rancho das nuvens aberto...

Mas é noite ainda.


V / Paz

Contudo, filho procurar-te no escuro
nos aproxima a madrugada
que as estrelas do cenário anunciam.
Tua promessa de vinda nos penetra
e adivinhamos a tua paz
que repartirás com todos.


A natureza se harmoniza
Na certeza de tua vinda.
E a música se orvalha
para cantar o teu dia


VI / Chegança

És a chegança do mar
em nossas praias antes vazias.
És o eterno que procuramos
desde quando nasceram nossas vidas!


VII / Festa

É luz nova explodida
avançando a escuridão.
São as festas sempre boas
se festejadas por precisão.


VIII / Para sempre

É a poesia escrita no céu
Por todo poeta amigo ou familiar
É nosso filho-poema
Em signos de conclusão.
Ele é nascido pra sempre:
Ordem da humana criação.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Cacto

Sentir com as víceras
O espinho deste cacto
Numa dobra intestina.

Sentir o aroma de faca
Festa flor mineral
Que insiste em resistir.

Mais: sentir a força de sentir-se
Cacto.
Num horizonte de chumbo.

Espelho trincado

Não há promessas de beijo nem luar,
Vontade apenas
De sair às ruas
Do paraíso
Que, no entanto, nunca existiu.

A necessidade brutal
De um encontro
Raio, esqueleto, verme,
Impacto de fora
Em meu dentro-abóbada

Ali, na esquina.... talvez.
As paredes molhadas
(havia chovido)
Ensinam tanto à luz noturna.
Os olhos molhados
(havia chorado)
Refletem apenas
Quarto vazio, mal de amor, feroz desgosto.

Ali, ali mais adiante
Um bar, sequer vontade de beber
Uma livraria, sequer vontade de lar
E continua... e atravesso a rua
Da infância sinal verde
Jardim róseos de Botucatu
E continuo
Inseto feérico me habita
Feérica – a noite me traspassa!