quarta-feira, agosto 08, 2007

Apenas este presente

Nem gesto no exíguo espaço
De riso brando e perfume
Levíssimo. Nem palavra na garganta
Inútil, nem língua
No dente, beijo
Na testa.
Nem olhar grave ou sereno.
Nem o aperto de mãos.
Este poema, apenas
— Ela, a poesia quis assim—
Soprado do pulmão dos homens do povo.

Nota de orelha

Dez anos de silêncio
Amigo,
Para entregar-te agora este punhado de palavras.
De muita valia?
Não quis eu o impossível? Falem!
Falem falem falem minhas palavras
Um dia escritas à sombra
De tua presença amiga
Amigo.
Eu o beijo que chegou tarde, morto
O desejo, e se evapora.
Talvez um passo maior...
Todavia que a perna e caio
Ao pé de intransponíveis montanhas
O eco das palavras apenas
Palavras, eco, palavras.
O amor pra dentro
Não tem resposta,
Tem eco frio, desgosto
De uma vida-parede.

Mas é tempo bom, há
Noite fresca claro jardim
Tempo bastante de recomeçar
O tempo presente
Dizer-te presente! Fazer-me
Presente, oferenda, voz fraterna à orelha
Deste livro. Antes:
À tua orelha amiga,
Amigo.

Decassílabos da musa

I / Ontem

Eu disse, en passant, que sou bem pobre.
Lhe disse, demodé, do meu afeto.
Falei, devagarinho, de poesia.
Com polícia: c’está me enlouquecendo.

II / Hoje

Você me faz voyeur embevecido.
Você me angustia ao ver meus elos.
(Se não lhe agradasse o azul serrano,
ele e você seriam menos belos).

III / Amanhã

Gritarei sozinho olhando a escarpa
(porque — só — é o destino de quem ama):
— Ingrata, já passou? Tu vives, serra!
Mas você, muito mais que finda — linda

sulcando versos nus em mim — ainda...

Cena

Ele já não esperava mais nada.
Sequer um caso vulgar.
Mas ela surgiu transparente
Deixando no ar
— no ar não, no peito —
Um frio que vinha das vísceras, uma vontade de fumar
Um não sei quê nem pra quê.
Ela buliu —
Baixando os ombros tesos.
Ele se deslumbrou.

Musa

Para Maria Emília

Quem entrou em minha casa
e meus livros espalhou?
Remexeu minhas gavetas
meus poemas remarcou?

Quem beijou-me de mansinho
ao meu corpo se juntou
espantou minha tristeza
e sumiu, me abandonou?

Bolero do encontro

Nos tocamos no mesmo tom, minha querida
Fomos um duo de cordas na mesma canção
Foste luz, uma clave de sol em minha pauta perdida.
És a pausa e as notas mais puras do meu violão.



Francisco Moura Campos