quarta-feira, maio 07, 2008

Ode às mãos

Para Levi Bucalem Ferrari


Minhas mãos tão usadas
eu vos saúdo nesta ode.

Que prendeis o alimento levado à boca.
Energizadas, para o aperto fraterno.
Eu vos reconheço nesta ode.

Mãos estendidas às crianças.
Elevadas às orações.
De palmas lidas: a sorte há muito lançada
mas que só hoje se revela, apascenta e fala.

De tantos toques, trocas, carícias.
Mãos rudes, contundentes, ásperas.

Eis o intransferível; o tátil prazer de sentir-vos construindo poemas.
Mãos de engenheiro: laboriosas mãos
que não mais temeis vos escravizardes à vida.

*

Ó mãos tão usadas!
Espalmai-vos e continuai nossa História
(tudo tão difícil, até que vós falásseis).

Minhas mãos
eu vos quero limpas
eu vos quero largas:
— Limpas! Largas!

Minhas mãos eu vos agradeço
vos olho gravemente
e vos oferto a todos os homens
minhas mãos.

“Guerra diária”

Para Renata Pallottini


Paixão de escrever
não sou mais capaz
de vivenciar-te?

Áspera solidão
já fui mais capaz
de resistir-te.

Quando se tem vinte anos
é fácil morrer de dor
é fácil morrer de amor.
Restam sempre outras mortes
para serem vivenciadas
no desencontro de amores
e nas fundas solidões.

Mas onde minha obra prima,
penhor do meu sono,
avidez matinal,
minha fuga para o mato... e beber-te, Poesia, onde?



*

O tempo nos submerge.
Silenciosamente as doenças se infiltram.
Morrem companheiros, morrem
ilusões, amadas exuberantes.
Os naufrágios. As decepções. Os desentendimentos.
O cansaço. As injustiças. A impostura da mediocridade.

Já fui eterno
(raso remanso)
hoje envelheço

(água de poço)
contida e funda:
o poeta mais denso.

A poesia mais densa.
Mas a guerra não cessa
(não há mais alimento

a munição acabou)
não deixo mais rastro
ninguém mais me acredita...

Salvo meu coração de artista
validando esta guerra diária:
— Todavia, um ato de paz.