quarta-feira, abril 11, 2007

Canto ao nosso poeta

I / Prelúdio

Que brotaste do poço fundo
Água murmúrio, enternecimento,
Zumbido eterno,
Abelha que não cessa.

Que brotaste do poço fundo
Corda tinta aos pálidos,
Sino, gravata vermelha
Aceno de vida para todos.

Que tens postura discreta,
Olhar severo para dentro e ti,
Policias teu violento amor
Vôo de sabiá se em as de poesia

Que não temes o estafeta
A cor do telegrama, o menisco
A maleta de pó e chumbo
Na estrada em que caminhas.

Que de ritmo, pousada, luar,
Fremir de mar demais,
Poeta maior, pai, irmão de João
Assim, em humana sintonia,
Te compões.

II / Sonata num ombro amigo

Te habitamos
Cidade repleta ruas que vadiamos praça central sol dos trópicos
Farol no lírio de um coração humilde
Agudíssima sensibilidade vigilância carícia premissa missiva
Olhos míopes de varrer léguas de setenta anos batendo vida sem temer sofrimento
Solidão em que as nossas se inclinam se beijam se dissolvem e juntas ressuscitam ... indivíduos de maciça fraternidade.


*

Tua unidade é uma suave boca jejuando o espanto.
De fato és
Ocasião, momento, lugar de existência.
Em teus extraordinários privilégios
Encontro um homem comum:
Cic. Identidade. Objetos de uso pessoal. Registro num livro de Minas.

Alguns desejos: de comida, amor
Tua carne que evolui,
Tua restrição, uma idade,
Tu simples...
Estas no bar, na esquina,
Jantas conosco agora,
Morres depois...
Ressuscitas ontem,
Transitando num arco-íris cotidiano à altura insigne dos homens comuns.

Nenhum de nossos bens
(Que tanto mais amas,
Se mais esmagados
No populoso deserto da tirania)
Escapam se teus poemas.
Mas foram algum dia teus
Os teus poemas?
A poesia, na janela,
Em esgar de cumplicidade... nos acalma.

III / Sinfonia Inesgotável

Tuas palavras
Teu oficio
Gotejo
Dor viril (maior se no escuro que tanto cantaste para melhor conhecê-lo)

Sonho de viver presidindo a dor
Cirurgia de cérebro coração vísceras
Alvura de roupa
Soro
Veias grossas
Sanguínea aurora

Tuas palavras
Redescoberta
Doçura
Amizade
Aspereza
Lanças de pontaria infalível
Livre trânsito nos infinitos caminhos do sentir
Nenhum desprezo aos mitos que cultuamos (agradam-nas alimentar nossa frágil tessitura)
Quanto acréscimo! (nós falhos à espera de seus dons).

Tuas palavras
Ciência (todas e somente
necessárias e suficientes)
Forma
Teor
Formateor (termo do esperanto e da brutal coerência que elas encerram)
Fortuna
Inventário sem cartórios
Minas que penetramos
Celeiro sem chaves
Ração essencial que o prato trêmulo recolhe... e nos saciamos.

Tuas palavras
Mãos encordoadas
Dança do amor fraterno

Brinde

São tantos os homens
São tantas palavras
Soando a esmo
Mas sempre se fecham
Em torno de ti
Num ramo de rosas
As rosas sorrindo
As rosas do povo
(A rosa do povo)
Ciranda sorrindo
Tuas próprias palavras

IV / Teu Sopro No Meu Oboé

Sinto que caminhas
Na ponta da nuvem
No fundo do mar,
Sempre o mesmo sapato.

Sinto que conversas
Com bichos, com coisas,
Com homens, arcanjos
Sempre o mesmo flautim.

Sempre o mesmo homem,
Insone, se noite alta,
Insolúvel, se fluida membrana
A vida que te rodeia.

*

Velho mestre, e teu segredo?
Inquieto-me... Onde compraste?
Teu doce? O sal... Teu convite?
E tua estrada... círculo fechado em Itabira,
Atalho aberto em carne pra qualquer irmão conhecer Itabira e qualquer canto da terra?

Perdoa se te pergunto.
Indagando melhor percebo
Que segredos não são achados.
Indagando mais fundo aqueço
Teu segredo inumerável... nunca o mesmo,
É sempre outro segredo,
Teu segredo que tanto sinto.

V / Ponteio de Gume

Tudo é contorno do impossível
Na enseada de desejos.
Flutuo na lâmina do vento,
No assobio do arame solitário.
Percolo o calcário do osso.
Estou ontem. Sequer sofro os fatos que couberam num dia.

Agora tens uma ordem
Aquém de toda malícia:
De vida apenas, sem mistificação.
E a utopia que boiava imóvel,
A teu leve empurrão se desloca enorme... inexorável.

VI / Fantasia Entre Músico e Oficina

Passeando em teu elefante posso viver nosso tempo parar na alcova de teu leiteiro de Cyro Novais descer as encostas do Cauê.. dos Alpes? dos Andes?
Desejo débil de referenciar-me estar em São Paulo rua 13 de Maio
Mas tua sensibilidade mostrando minha sensibilidade no dia na noite o dormir inconformado o nó em minha garganta e ai que tua vida propõe a terra de tua poesia as lembranças molhando meu travesseiro antes do alvorecer.
O relógio orvalhado exibe teu mundo patético o tempo elidido cristalino cinema o espaço elidido... a saudade de mim viajando nenhuns quilômetros... estou em tua casa lugar onde minhas feições se refletem se avolumam.
Estarias dormindo? Um rosto-poesia acaso repousa?
Percebo que sorris. Sorriso... teu rito implícito.
Tua mão (ou a mão que fabricaste?) apaga a luz sobre minha mesa e começo a lamber o pescoço de um dia que inexperiente principia!

VII / Polifonia Para um Ofertório

No canteiro setembro-lua
O vicejo de tua sombra
(Mais que Europa, França e Bahia)
De homem? De Poesia?

Vai apagando o cantador
Deste canto-tua-matéria,
Mais que vozes, nossas vidas,
Já não importa o seresteiro.

No hífen braço e ofício
Carlos — Drummond
(Distância de olho e lágrima)
Nossas vidas te ofertamos.

Tua vida te devolvemos.