quarta-feira, abril 04, 2007

Ode na Cidade de São Paulo

I/Centro

Poderoso bulbo de cimento.
Rio de aço do trânsito.
Resistente é o amor
Dos que te amam.
Sábia e de cinza
Sorris do lirismo patrulhado do burgo
Que cerceia as melhores intenções.
Absortos te contemplamos:

Abrasas, fustigas
Reprimes, libertas
Enterneces, sevicias
Expulsas, cativas
Fascinas, desiludes

— Cidade enigmática!...


Não é o conhecimento de tua tecnologia e de tuas diversões inumeráveis.
Nem são as mil opções que ofereces a
Competentes, vadios
Endinheirados, falidos
Intelectuais, analfabetos
Prosadores, poetas
Lojistas, ambulantes
Atletas, mutilados
Participantes, irresponsáveis
Lúcidos e desajustados
(Estes não são teus filhos : apenas te usufruem).
Também não são tuas distâncias invencíveis.
Nem tua miséria
Espalhada entre milhares que te habitam abertamente sob os viadutos
centrais, nas favelas ribeirinhas, nos esparramados subúrbios.
És tu mesma, tua maciça
Inequívoca poesia
Entre automóveis, caliça, pó, desastres, furtos, solidões
E encontros... entrançados!
(Certamente ignoravas o magnetismo existente em tuas ruas dispersas
E os encontros extraordinários que nos possibilitas —
A começar da própria alma
Na individualidade anônima que imprimes a cada um dos teus).

Tuas noites alcatroadas...
São todas as profissões noturnas.
São bares, boates, restaurantes, polícia, táxis circulando, lixeiros, bombeiros, ambulâncias, hospitais atentos.
Os talhes exuberantes. O luxo. O carro importado. O chofer. Boêmia instalada em cada esquina.
A boa música
E a música comprimida no fumacê subterrâneo
Respirando entreaberta... de passagem.
A prostituta. O travesti. O alcoólatra. O viciado à procura de seringa no [tráfico mudo das drogas.
Mendigos, tantos, procurando o quê?
Menores abandonados.
É a fome circundando os restaurantes: olhos estriados
Atrás do vidro inquebrantável!
Rigorosa é a tua noite.

Como tudo o mais em ti.
E, com rigor,
Gravamos os fatos vagalumeando na memória lúcidos flashes...

— Lúcidas luzes!
Clareando a história que ama:
— Bela. Sobrenatural.

*
Da janela vejo
A poesia verde
Escorrer ciosa
No cenário plúmbeo

De concreto e aço
Mesclada ainda
Com as cores róseas
Da manhã silente

Amanhecida em ti.

São quatrocentos anos comprimidos
No Pátio do Colégio, no Anhangabaú, no Mosteiro de São Bento, no Paissandu, no Glicério, onde mais?

São as ingenuazinhas ruas centrais que jamais suspeitaram outrora de sua tumultuada ocupação.
Vias expressas cortam o cenário paralítico.
A 23 de Maio nos leva à Congonhas de viagens celestiais...
O Elevado Costa e Silva subverte a lírica São João de Vanzolini.
Nosso Memorial da América Latina é a utopia baixada ao nível da miopia fronteira.
E o Centro Cultural... expresso
Que parte a velha Liberdade!

És todas as contradições:
— Multifacetada. Dialética:
Reconstruída.

O domingo suspende teu tempo
à espera da segunda-feira.
A opressão escorre das paredes e encharca o aparelho de som.
Livros umedecidos, vazios.
— Vazios os aeroportos!...
E recobramos esta outra vida entre nossos irmãos
E vamos para o futebol, o jóquei, a sinuca, a bocha, o carteado
Onde o calor humano continua existindo intensamente.

Intensamente, operários da construção civil tomam os bares e cervejas.
O churrasco de gato sitia as praças públicas. Empregadas domésticas cochichando seus namoros...
Teu povo – se espalhando livre em teu domingo desengarrafado:
— Feliz

II/Paulistano

O paulistano destila
A mais densa poesia
Que jamais desaprendeu
Na convivência diária
Com os demais brasileiros
E a coorte de estrangeiros
Que avidamente exploram seu espaço original.
Ó pessoa mais confiável!
Criatura mais do chão.
Há em ti um visco
Que apodrece o fraco
Prende a autonomia e me polariza
Em torno de ti
— Irmão paulistano.

III/ Bairros

Mooca Zona leste

Onde Mariana mora.
E as vielazinhas ingênuas, como o olhar de minha filha.
Que mais ainda?
Da melhor pizza.
Dos bares de verdade onde tem café coado, cigarro, pão francês, cerveja de freezer, amplos balcões de mármore, pisos abaulados nas portas do entra e sai ininterrupto.

Outros, coitadinhos... com mesas de sinuca de caçapas viciadas, rádio batata, caixotes de assento, truco, fumo bom, jogo de bicho, doces vencidos que nunca no passado alguém comprou, farta cachaça de rolha ou tonel.

E fala musicada do teu proletariado.

Barra funda Zona Oeste

Da emoção de eu ver também o casario antigo que Mário de Andrade
Impregnou com seu olhar alongado
De ouvir o trem que Mário ouvia.
A estrada de ferro te corta ao meio.
Os dormentes captam a vibração fugaz da gente pobre que viaja para o interior.
Interior: sentido do rio Tietê!
Interior do estado de São Paulo pra onde Mário viaja sempre comigo...

Pacaembu

A casa de Guilherme de Almeida guardando o vale.
O Estádio Municipal vibrando gols de placa!
A Rua Tupi, que era do meu escritoriozinho de engenharia Nossa Senhora vontade de chorar.
Pequenina Rua Tupi, onde trabalhávamos eu e Gilson Vasconcelos.
— Tupi... no meu coração caipira.

Santana e altos Zona Norte

Por perto do legendário Carandiru.
Depois meu corta-caminho pro aterro sanitário de Vila Albertina
Adiante a encantadora Cantareira!

Caxingui Zona Sul

Da Avenida Francisco Morato que os mais antigos do lugar chamam: a estrada...
Que mais ainda do Caxingui?
— Roberto Saito mora ali.


Jardim Botânico

Das deliciosas tardes de evasão
Na minha lira desafinadinha...


Ibirapuera

Nos fins de tarde de verão caminhando entre viveiros... vendo versos, a delícia dos colos pernas queimadas cabelos descomunais, namoros e todos os demais exercícios físicos.

Em ti, a criança permanece.
(Escrevi um poema chamado Ibirapuera.
Se eu fosse verdadeiramente poeta escreveria dez!)


Jardins

Restaurantes caros, comércio sofisticado, carros em filas duplas triplas e nas calçadas.
O passeio desocupado das madames.
E um prédio da Sabesp na Padre João Manuel onde trabalho há nove anos seja tudo pelo amor de Deus.

Mas nas noites feéricas teu dinheiro lento começa a distribuir-se por entre vidas mundanas:
Manobristas e leões de chácara de amplas janelas recebendo gorjetas industriárias.
O menino florido esnucando o cavalheiro.
— “Uma rosa, ela merece”
É a ternura descalça trilhando teu chão de antigas árvores a floresta orvalhada retornando....
— Dia geral!

Brinde

Dia geral em São Paulo!...
Luz – no meu coração.