quarta-feira, setembro 08, 2004

TRÍPTICO

I- Menina

A filha, pelo retrovisor:
— Pai, por que você está chorando?
— Minha filha é segredo
disfarcemos, diga nada.
— Pai, por quê?
— Minha filha ouça e cale
palavras da minha boca:
Já chorei de solidão,
de tristeza, nostalgia.
Já chorei de comoção
e desta dor que me angustia.
Já chorei de compaixão,
vaga esperança... alegria.

Crianças em Coro:
— De alegria?!
— Eba!... Eba!...

A filha clamando:
— De alegria, pai!... De alegria!

— De alegria.

II - Moça

No eletrocardiograma
que o pai acompanha
(e mudo se afasta)
os eletrodos circundam
a pura Poesia
de um seio crescendo...

Enquanto isso
um seio formado
é intensa força
da Natureza
susto, enternecimento
que me atravessam.

Os impulsos registram
milimetrados e claros
um projeto de avô
(subitamente traçado,
na nitidez do papel
que a emoção embacia.

Mas o papel sou eu
sou eu minha filha
meu amor inda verde...
— Amadurecido!
Pomar filha pai
profundamente em mim.

III - Mulher

Te dou

um setembro, alguma lua
dois mimos, breve recado.

Uma estrela cadente
o sol que vai nascer.

A primeira esperança do dia
faca de pão, toalha de mesa, cotovia.

Te dou algum dinheiro
te arranjo namorado.

E isso, ainda é nada.

*
Minha herança melhor
(única talvez)
é algo que trago
no fundo do peito
enchendo o vazio

(o meu... o da vida)
um sopro celeste
jamais dissipado:
— Meu éter de poeta,
Mariana, minha filha.